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4. Por que estudei espanhol?

Lembra-se, por acaso, da música Estoy Aquí da Shakira? O álbum Pies descalzos, terceiro da cantora colombiana, lançado em outubro de 1995, foi um sucesso internacional. Eu não entendia quase nada do que ela dizia no refrão: “Estoy aquí queriéndote, ahogándome, entre fotos y cuadernos, entre cosas y recuerdos, que no puedo comprender …”. A Shakira cantava muito rápido, misturava as palavras, por isso só consegui entender com ajuda do texto, ou da letra. Não foi por causa da Shakira, ou das músicas dela que eu comecei a estudar espanhol, mas o momento coincidiu com o sucesso das músicas dela.

Em 1994, quando a Shakira não era ainda loira, foi assinado o Protocolo de Ouro Preto (MG), que estabeleceu a estrutura institucional básica do Mercado Comum do Sul (Mercosul; em castelhano [espanhol]: Mercado Común del Sur, Mercosur)  uma organização intergovernamental que estabeleceu a integração, inicialmente econômica, com livre livre-comércio entre os países-membros: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Muitas escolas de idiomas viram a oportunidade de criarem mais um produto, e assim surgiram vários cursos de espanhol pelas cidades de todo o Brasil. As predições era que o espanhol seria a língua do futuro na América do Sul, o idioma dos negócios entre os dois países. Entretanto a obrigatoriedade do ensino do espanhol nas escolas só se deu em agosto de 2005 (veja link1). 


Em 1996 eu trabalhava como professor de inglês na escola de idiomas CNA, em Santo André, SP. Tão logo comecei a trabalhar ali, foi oferecido um curso piloto, gratuito, de espanhol aos professores. Lá estava eu tentando aprender a língua da Shakira. Eu levava à sério, participava de todas a aulas, fazia las tareas de casa, (lição de casa), lia livros adaptados ao nosso nível, além da Shakira eu ouvia músicas do cantor mexicano Luís Miguel, do espanhol Julio Iglesias e tentava aprender as letras de cor. Assim passaram-se dois anos. Durante o curso, houve várias trocas de professores, e o interessante é que cada um deles era de um país diferente, Argentina, Colômbia e Espanha ou um brasileiro que dominava o idioma.  Para complementar minha exposição à língua, eu passei a comprar o curso Idioma Globo, em espanhol nas bancas de jornal. Aquele mesmo que eu também usei para estudar francês. Talvez por isso, acabei elegendo o espanhol europeu como meu preferido em vez do castelhano argentino.


Mas a semente do interesse no idioma teve início em 1987 quando eu morava em Tatuí, SP, época em que eu trabalhava na Associação ligada a JW.org, já mencionada na postagem sobre como aprendi inglês. No meu primeiro ano lá, fui convidado a fazer parte de uma delegação de brasileiros que participariam em um congresso internacional em Asunción, Paraguay em fevereiro de 1987. Seria minha primeira viagem de avião e fora do Brasil. Estava muito ansioso e animado. Passei quase uma semana lá em contato direto com a língua. Eu não falava absolutamente nada e por mais que digam que o espanhol e o português são parecidos, eu tive dificuldade em me comunicar eficazmente. Havia delegados de outros países também e falávamos mais inglês do que espanhol. De volta ao Brasil, tentei manter contato com a língua lendo algumas revistas como a Despertad, em espanhol, que era disponibilizada para nós gratuitamente na Associação. Mas eu quase não falava com ninguém neste idioma.

Em 1988, fui novamente convidado para fazer parte de outro grupo, desta vez para visitar as filiais da Associação de Montevidéu, Uruguai e de Buenos Aires, Argentina. Dessa vez, antes da viagem, eu intensifiquei um pouco a leitura de revistas em espanhol. Não queria me sentir tão perdido com a língua, embora na hora de falar, fazia aquela famosa mistura de português e espanhol que chamamos de “portunhol”.

O portunhol ou portunhol é o termo utilizado para se referia à interlíngua que se forma nas fronteiras bilingues entre o Brasil e os países vizinhos que falam espanhol, mas também a interferência de uma língua na outra, nos cursos de idiomas. E um tipo de ‘enrolação’, quando não se tem conhecimento suficiente dos dois idiomas. O falante recorre à vocábulos e expressões da sua própria língua materna para preencher as lacunas do diálogo. Como as duas línguas, português e espanhol vieram do Latim, sendo consideradas línguas irmãs, há muitas palavras parecidas e até iguais. Algumas como o mesmo significado, outras vezes não. (veja link2)

Voltando à minha história. Por volta de 1989 eu conheci em Tatuí, a Marcela e a Mirta, a primeira filha da segunda. Elas eram argentinas e moravam em Buenos Aires, mas passavam as férias de verão em Florianópolis, SC. Nessa época, muitos argentinos passavam às férias no Brasil. Houve praticamente uma invasão de ‘los hermanos’ em praias de Búzios, Florianópolis e outras. Desde a primeira viagem ao Brasil Marcela e Mirta apaixonaram-se pelo país, pela língua portuguesa e a nossa cultura. Tanto que Marcela tocava violão e cantava Bossa Nova muito bem! Eu aprendi com ela a letra da música Chega de Saudade de João Gilberto. Aquela famosa rivalidade entre os torcedores de futebol argentinos e brasileiros, não se aplicavam a elas. Geralmente, no final das férias, depois de passar algumas semanas bronzeando-se nas praias de Florianópolis, subiam para São Paulo para visitar alguns amigos brasileiros, entre ele um que morava em Tatuí e trabalhava comigo na Associação. Além de duas mulheres lindas, eram extremamente simpáticas e assim começou nossa amizade. 

Nossa comunicação era feita em fluente “portunhol”. Mas depois eu e a Marcela começamos a nos corresponder com frequência e eu então passei a ter mais contato com o idioma de Cervantes, mas com o sotaque do Maradona. Ela escrevia em espanhol, eu respondia em português. Nossa amizade quase virou namoro. Em novembro de 1994 eu passei uma semana em Buenos Aires em visita a Marcela e Mirta e fui conhecer os novos prédios da filial da Associação em Buenos Aires. Entretanto, as circunstâncias nos separaram e eu perdi contato. Em 1995 mudei de Tatuí para Santo André, SP. Perdi contato com as duas amigas argentina, mas não com o idioma. Foi quando fiz o curso de dois anos no CNA. 

No final de 1998, quando fui morar em Londres, eu deixei de lado o espanhol. Minha prioridade era estudar inglês para prestar o certificado de Proficiência da universidade de Cambridge. Depois que voltei ao Brasil, me dediquei a faculdade de letras, a pós graduação e o espanhol ficou em um cantinho na caixa dos meus objetivos. Nunca mais voltei a estudar, mas mantive contato esporádico com a língua. Primeiro vieram os filmes dirigidos pelo Almodóvar, a música Una Noche com Alejandro Sanz e The Corrs.

Em algumas viagens que fiz a Argentina, as palavras acordavam e eu conseguia me comunicar. Em uma viagem a Patagônia, eu me perdi dos meus amigos, não tinha o endereço do hotel, e tive que me virar para encontrá-los. Hoje, ouço podcasts em espanhol. Entre eles estão: Learn Spanish SpanishPodcast.net, Hoy Hablamos, e Intermediate Spanish Podcast. Também sigo alguns canais no Youtube como Tu escuela de Español e assisto a séries na Netflix como La Casa de Papel com áudio e subtítulo original. Entre os livros que li em espanhol, destaco “Ricky Martin Yo”, biografia do cantor do grupo Menudo que virou superstar. Comprei em Buenos Aires, porque queria ler algo durante o voo. Foi tão tranquilo que li em três dias, sem parar para procurar palavras no dicionário. Mas ainda quero ler Don Quixote de La Mancha, de Cervantes, na língua original, Gabriel Garcia Márquez e outros escritores contemporâneos. 

Quando eu olho para trás, reflito sobre como teve início o meu interesse pela língua espanhola e as circunstâncias que me levaram a estudá-lo, e comparo com o meu interesse inicial pelo francês e o inglês, percebo que a semente foi a música. Depois as oportunidades de estudá-lo e aprendê-lo surgiram, quase por acaso, e eu aproveitei, sem deixar passar. Não se trata de um idioma que preciso para o trabalho ou estudo, mas percebo que ler um livro ou assistir a um filme na língua original me transporta para outro universo cultural. 

O espanhol é uma língua românica, ou neolatina, que se originou do latim, principalmente o latim vulgar. Portanto é parente de outras línguas românicas como o português, italiano, francês e romeno e outros idiomas usados por grupos minoritários. É uma língua complexa, mas bela. A minha questão com o espanhol é que eu não tenho dificuldade alguma em ouvir e ler, as formas passivas da língua, mas tenho dificuldade em falar e escrever, as formas ativas do idioma. Quando converso em espanhol, eu não tenho certeza se estou falando portunhol. Eu gostaria de ter essa certeza! Para dominá-lo, eu precisaria fazer um estudo sistemático, e transformar meu conhecimento passivo da língua em algo ativo. Eu sei exatamente o que preciso fazer e como fazê-lo. Entretanto, não é minha prioridade no momento e por isso, me conformo ou me contendo com o que sei. 

Hoje em dia eu me dedico com maior atenção ao estudo do italiano que estudo há aproximadamente cinco anos. Interessante que o espanhol estava tão arraigado na minha cabeça que no início, ele vinha atrapalhar o meu italiano. Hoje, ele sabe que precisa ficar quietinho no canto dele quando estou tentando falar italiano. Só que agora é o italiano que, de vez em quando, vem atrapalhar quando quero falar espanhol. Estranho, não é? Mas vamos deixar esse assunto para a próxima postagem. Nela contarei o meu percurso com o italiano, a quarta e última língua estrangeira que me propus a aprender.

Referências:

  1. Espanhol nas escolas – Página Helb – História do Ensino de Línguas no Brasil.
  2. Por que falamos portunhol? – Espanhol sem fronteiras.
  3. Estoy Aqui – Albun Pies Descalzos - Video clip original



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