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3. Por que eu estudei inglês? (Meu percurso como aluno)

Bertha foi minha professora de inglês quando eu já tinha 24 anos de idade. Quanta paciência comigo e com outros vinte alunos! Bertha era americana, veio ao Brasil com o primeiro marido onde aprendeu português. Viúva, casou-se com um brasileiro e por aqui ficou. Era elegante e simpática, com uma presença marcante! Trabalhávamos em uma associação ligada à JW.org (1), na cidade de Tatuí, SP, portanto ela era também colega de trabalho e se tornou uma grande amiga. O meu percurso como aluno inicia com a Bertha, porque não consigo me lembrar do nome dos outros professores e professoras de inglês antes dela. Bertha além de ensinar o idioma, me inspirou a ser o que eu sou hoje: professor de inglês! Não apenas uma profissão, mas uma paixão! 

A vontade de aprender inglês começou bem antes de 1986.  Em 1964 a beatlemania se espalhava por vários países, inclusive o Brasil. As músicas dos “The Beatles” (2) tocavam nos rádios e grudavam na cabeça: “She loves you / Yeah, yeah, yeah / She loves you /Yeah, yeah, yeah...” (3). Durante a década de 70 nós brasileiros estávamos expostos a cultura palatável americana que, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, vendia ao mundo o seu ‘American way of life’. A partir dos 12 anos, eu e minha irmãs assistíamos na Sessão da Tarde, filmes hollywoodianos com estrelas do cinema como Marilyn Monroe, Elizabeth Taylor, Natalie Wood, James Dean, Fred Astaire, Elvis Presley etc. Na igreja que frequentávamos, tínhamos contato com alguns missionários americanos também. Com meus amigos aprendi a ouvir músicas do Simon & Garfunkel, Carpenters, banda América, Queen e tantas outras. Tudo contribui para o desejo de entender e poder falar inglês.

          Não foi à toa que aquela vontade de aprender francês ficou de lado.  Eu tinha quase 16 anos quando comecei, na Escola de idioma Fisk de Mauá, SP. No final da década de 70 e início da de 80, estudar idiomas era quase um luxo! Tanto que eu tive que convencer meu pai a dar permissão. Se hoje alguns pais insistem para convencer os filhos a irem à escola de inglês, o meu dizia: “Pra que estudar outra língua? Com quem você vai falar inglês?”  A permissão foi dada, desde que em seis meses eu encontrasse um trabalho e pagasse o curso com o meu dinheiro. Eram outros tempos e outros valores. Eu me virava para encontrar tempo para trabalhar durante o dia, fazer colégio à noite e estudar inglês aos sábados. E se hoje a palavra ‘fun’ (divertido) direciona como devem ser as aulas, naquela época era outra história. Depois, leiam o artigo “Só quem estudou inglês nos anos 80 e 90 vai entender!” do professor Denilso de Lima. (4) Mas eu gostava e isso contava muito! A motivação vinha de dentro! No colégio eu era o melhor aluno de inglês da sala. Os alunos disputavam entre si para sentar-se perto de mim na prova de inglês! Por que será?

Em 1982 recebi um certificado da Fisk indicando que eu estava no nível intermediário. Mas prosseguir era complicado! Os vários alunos do grupo iam desistindo e no próximo semestre, não havia grupo no horário que eu podia ou queria estudar. Cheguei a fazer um semestre na filial da Fisk de Ribeirão Pires. Foi preciso parar. Depois veio o trabalho em um Banco onde eu não precisava usar inglês e outros interesses tomaram o lugar.

Mas o que me motivou a retomar o curso de inglês com o grupo da Bertha? Desde 1986, quando comecei a trabalhar na Associação JW, eu estava rodeado de estrangeiros que falavam inglês. Era um campo fértil onde eu tinha contato diário com o idioma. Muitos funcionários precisavam aprender inglês porque iam fazer cursos e treinamento na matriz em Nova York, ou para estudar os manuais das novas rotativas importadas dos Estados Unidos. A Bertha montou o grupo para ajudá-los, como voluntária, e me convidou. A diferença é que eu queria e gostava enquanto a maioria dos alunos estavam lá por obrigação. A maioria faltava e raramente fazia as lições. A falta de comprometimento, algo comum na cultura brasileira, era algo que a Bertha, como americana não entendia. Além do mais, embora Bertha fosse nativa, paciente e simpática, não tinha formação como professora. O grupo minguou, e a Associação então percebeu que o curso teria que ser institucionalizado. Foi então que entrou a Elise Fritz do departamento de tradução.

 Elise Fritz, ex-professora de francês e inglês e com muita experiência em tradução foi convocada para assumir o grupo. Usamos um livro chamado English 900. O curso era baseado em 900 frases com estruturas fixas. Cada frase se desdobrava em nova frases com a troca de vocabulário. Elas eram repetidas exaustivamente. Em 1988 eu fazia parte do grupo que, depois de dois anos chegou ao fim do curso e fui convidado para ser o orador da turma. Meu esforço rendeu frutos. Fui indicado para trabalhar como um dos secretários da diretoria. Naquele departamento falar inglês era essencial para participar das reuniões, ler e escrever documentos. Eu também entrei para o grupo seleto de cicerones que recebiam visitantes estrangeiros que vinham visitar a nossa filial. 

Posso garantir que o que impulsionou o meu conhecimento da língua foi muito mais o uso diário do que os cursos per si. Mas os cursos tiveram um papel muito importante. Um amigo, Itamar Castro, que trabalhava no setor de tradução da Associação, sugeriu que eu prestasse o exame First Certificate de Cambridge. Foi a primeira vez que ouvi falar dele. Ele montou um grupo pequeno, sugeriu livros e material didático e se colocou como nosso ‘coach’. 

Aluno e professor: 

A Associação precisava treinar um grupo de funcionários que iriam viajar para a matriz em Nova York. Para minha surpresa, eu fui convidado para ser o professor do grupo. Eu não me sentia preparado. Eu podia ser um bom aluno, mas professor? Não tinha didática nem preparação. Mas lembrem-se, estamos no início dos anos 90, morava em Tatuí, SP, longe da capital paulista. A Bertha, Elize e Itamar já tinham feito a parte deles, agora era minha vez de devolver e retribuir. Sem prática ou experiencia como professor, ansioso, mas empolgado, comecei a ajudar aqueles colegas que precisavam, desesperadamente aprender o idioma. Essa foi a minha primeira experiencia como professor.

Em 1995, mudança de planos, cidade, trabalho e vida. Hora de retomar projetos empoeirados e engavetados. Os novos planos incluíam uma viagem para a Europa com meu amigo Itamar. Antes da viagem, agora morando em Santo André, finalmente prestei o First Certificate. Passei, estava pronto para fazer o nível avançado e para usar meu inglês na primeira viagem internacional. Esta foi a mesma viagem que mencionei na postagem anterior. Eu me virava na Franças, Suíça, Luxemburgo e Bélgica com o francês e na Alemanha e Reino Unido falávamos inglês. Mas então veio minha primeira grande decepção com a língua. Por mais que eu tivesse estudado, não entendia o sotaque britânico, muito menos o escocês. E o sotaque ‘cockney’? Se você nunca ouviu falar do ‘cokney accent’, não se preocupe, eu também não, pelo menos até chegar em Londres. Eu nunca fora preparado para aquilo! Sempre fora exposto ao inglês e sotaque americano! Caso tenha interesse, assista ao musical ‘My Fair Lady’ com a Audrey Hepburn, só para ter uma ideia.

De volta a São Paulo, trazia comigo uma certeza: tiraria um ano sabático e voltaria para morar em Londres no final de 1998. Neste ínterim apareceu a oportunidade que abriu as portas para o que eu sou hoje: professor de inglês. Um amigo dos tempos em Tatuí, era então professor e coordenador de uma escola pequena de inglês na Praça de República. Ele precisava desesperadamente de um professor substituto e pediu para eu assumir uma turma aos sábados de manhã. Relutei, tinha outro emprego durante a semana, não tinha experiencia nem didática. Mas ele me convenceu a fazer apenas uma aula, para eu experimentar. Foi o suficiente! Eu finalmente descobri o que eu queria fazer. Seria professor de inglês.

É difícil falar do meu percurso como aluno de inglês sem falar da minha vida como professor. Os dois acabam se misturando. Em 1996, abria-se escolas de inglês em cada esquina do país. Havia poucos profissionais qualificados. Bastava dizer que falava inglês, fazer um teste, uma entrevista e a escola dava treinamento. Em terra de cego, quem tem um olho é rei, certo? Peguei alguns grupos de curso básico, logo passei para o intermediário, e em pouco tempo trabalhava para a escola de idiomas CNA como professor. Mas eu queria me profissionalizar, assim busquei fazer outros cursos. Tirei o certificado de Proficiência pela universidade de Michigan, e em seguida fiz um curso de um ano de Complementação Pedagógica para o Ensino de Língua Inglesa na Universidade Mackenzie. Mas eu queria mais!


            No final de 1998, tirei o meu ano sabático e fui morar e estudar em Londres. Eu queria prestar o CPE da universidade de Cambridge (Certificado de proficiência em inglês, hoje chamado de C2 Proficiency). Durante o ano de 1999 eu estudei todos os dias, de segunda à sexta durante 3,5 horas por dia. Eu dividia apartamento com um irlandês e um australiano e mantinha pouco contato com brasileiros. Além da exposição diária, assistia aos programas na TV e lia livros, revistas e jornais todos os dias. Foi uma imersão na língua e cultura britânica e na vida cosmopolita da cidade de Londres.

       Em fevereiro de 2000, dois meses depois do meu retorno ao Brasil eu comecei a trabalhar na Cultura Inglesa de Santo André. Prestei o exame do CPE, aproveitei os cursos que a escola oferecia para os funcionários e professores, entre eles o PEP, de pronúncia, e certificados para professores (BULATS e o ICELT – In-service Certificate in English Language Teaching). Fiz também a faculdade de Letras em Santo André e depois uma pós graduação em Linguística na PUC, SP.  Vinte anos depois, continuo trabalhando como professor. Embora o objetivo dessa postagem é descrever a minha experiência como aluno e não como professor, não posso negar que mesmo ensinando, aprendi muito e ainda aprendo, cada dia! Não dá para fechar um livro e dizer: “Pronto, agora eu sei tudo!”

Hoje é bem mais fácil ter acesso a vários conteúdos para estudar idiomas como o inglês. São inúmeros sites, livros didáticos e paradidáticos, mídias sociais, grupos e comunidades, aplicativos e vídeos no Youtube. Temos também filmes na Netflix e outras plataformas. Quando eu estudava, na escola Fisk no final de 1988, a gente pegava uma fita cassete, levava para casa e precisava devolver em menos de uma semana. Depois surgiram revistas como a Speak Up, também com fitas cassetes e depois com CDs. Era difícil conhecer pessoas que falassem o idioma.

Alguns podem argumentar que eu tive sorte, pois trabalhava rodeado de gringos. Entretanto, amigos meus que tiveram a mesma oportunidade não a aproveitaram. Não foi apenas sorte ou circunstância, ou estar no lugar certo na hora certa. Eu tive desejo e me esforcei para aprender. Quando as oportunidades surgiram, eu as aproveitei. Eu não tenho um dom especial para idiomas, nem tenho um QI acima da média. O que fez e faz a diferença é a motivação, desejo de aprender, estudar, vencer as dificuldades nos momentos críticos e não desanimar. É preciso ter objetivos à curto e longo prazo, e nunca achar que sabe o bastante.  Eu costumo dizer aos meus alunos: “Se eu aprendi inglês, qualquer um de vocês podem aprender também.”

Eu comecei a estudar inglês com 16 anos! Claro que é mais fácil quando se é jovem. Eu tinha 35 quando fiz um curso de dois anos de espanhol. “Ah! Não vale! Espanhol é fácil e dá pra se virar!” Alguém pode dizer. Mas saber separar o espanhol do português não é para amadores! Outra coisa, eu já tinha 50 quando comecei a aprender italiano e continuo a estudá-lo. Como são dois idiomas que comecei a estudar depois dos 30, eu vou deixar para falar deles na próxima postagem. 

Referencias:

1)     JW.org - https://www.jw.org/en/

2)     The Beatles - https://www.ebiografia.com/the_beatles/

3)     She loves you – The Beatles: https://www.youtube.com/watch?v=S302kF8MJ-I

4)     Só quem estudou inglês nos anos 80 e 90 vai entender: https://www.inglesnapontadalingua.com.br/2015/08/ingles-nos-anos-80-e-90.html


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