Agora no início do ano, somos bombardeadas por propagandas de cursos de idiomas nas redes sociais (Facebook, Instagram, Youtube, Podcast). Você deve ter visto várias: “Aprenda com o meu método’ - ‘O segredo para melhorar seu francês!” - “O segredo para começar a falar italiano” etc.
Segredo? Ficou curioso? Eu fiquei e fui conferir. O tal do segredo tinha resposta pronta: Abordagem Natural de Stephen Krashen. Por Krashen e a Abordagem Natural são citados por vários criadores de conteúdo? Será que com este método a pessoa aprende por osmose, dormindo? Seria ele a fórmula mágica para finalmente se aprender um segundo idioma?
Te convido a me acompanhar. Se você resolveu que vai aprender um novo idioma em 2021, ou melhorar o que já sabe, é importante estar bem informado, ciente e ser crítico para decidir conscientemente.
A Abordagem Natural é baseada na Teoria de Aquisição
de Língua de Stephen Krashen. Antes de mais nada, é injusto citar apenas o
nome dele já que tudo começou em 1977 quando Tracy Terrell, um professor
de espanhol na Califórnia, delineou uma proposta para uma nova “filosofia” de
ensino de língua que ele chamou de “The Natural Approach” (Método Natural ou
Abordagem Natural). Ele juntou-se a Stephen Krashen, um especialista em
Linguística Aplicada da universidade Southern California e juntos, lançaram o
livro ‘The Natural Approach’, publicado em 1983. Os princípios fundamentais em
que se baseiam essa teoria são chamados de hipóteses e são ao todo cinco:
1) A primeira é a Hipótese da Aquisição e Aprendizagem,
(The acquisition/learning hypothesis).
A aquisição é um processo inconsciente e
natural e implica em constantemente exposição a mensagens significativas do
idioma alvo e assim, gradualmente apreende a língua alvo, similar a maneira
como uma criança aprende a língua materna. Segundo essa hipótese, é a aquisição
que fará com que a pessoa desenvolva a proficiência através da compreensão e
através do uso da língua para comunicação significativa.
Já a aprendizagem refere-se ao processo
consciente e requer estudo de forma sistemática (conteúdo gramatical e
vocabulários específico para aplicar em um ato de comunicação). Resulta em
conhecimento explícito sobre as formas da língua e da habilidade de verbalizar
este conhecimento. É necessário ensino formal e a correção de erros ajuda a
desenvolver a aprendizagem dessas regras. Segundo esta teoria, a aprendizagem
colocada em segundo plano, e não pode levar a aquisição.
2) A segunda é a Hipótese do Monitor.
O aprendiz se monitora em relação ao uso de
vocabulário e estruturas da língua (gramática). Ele precisa pensar sobre as
estruturas, elaboração sintática, lexical e semântica do idioma em que vai se
comunicar. Se for falar sobre uma atividade que aconteceu no passado, conscientemente
o aprendiz vai lembrar que precisa usar estruturas no ‘simple past’: affirmative
– usar verbos regulares e irregulares, negative – usar didn’t + verb,
questions – usar ‘did’ antes do sujeito + verbo no infinitivo.
Entretanto, se houver monitoração demasiada a comunicação será afetada pois provocará
hesitação e demora na enunciação da frase, prejudicando a fluência. Pouco monitoramento pode provocar a formação
de frases sem sentido e coerência. O monitor lida melhor com regras que são
simples de explicar e que não requerem movimentos e organizações complexas.
3) A terceira é a Hipótese da Ordem Natural.
O método natural consiste basicamente em apresentar
o idioma ao aluno de maneira gradual seguindo uma lógica orgânica, do mais
simples para o mais complexo. Por isso é chamado de método natural, pois esta é
a maneira que aprendemos a nossa primeira língua. As palavras mais
frequentes são apresentas em primeiro lugar e a gramática é bastante
simples também, depois novas palavras são acrescentadas, mas que podem ser
aprendidas, graças ao domínio daquelas palavras mais simples do início do
curso. Desta forma também são apresentadas as novas estruturas gramaticais,
porque o aluno já tem algum fundamento gramatical. A gramática é apresentada
dentro de um contexto e desta forma são internalizadas.
No início da aprendizagem de uma língua, algumas
estruturas e vocabulário serão vistos primeiro, por exemplo: verbo ‘to be’
usado para falar de si mesmo - “My name is Luiz and I am 58
years old.” Em outra lição aprenderá verbos no presente simples para falar
sobre onde mora e o que faz: “I live in an flat in São Paulo and work
for a school.” E somente mais adiante usará estruturas no passado: “I lived
in Santo André and worked in an office.” Além disso, cada pessoa tem
uma ordem natural para aprender algo novo. Enquanto um aluno entenderá e
começará a usar os verbos no passado, é possível que outro aluno ainda forme
frases como: “I travel to Rio last week” quando deveria
ter usado o verbo ‘travelled’ no passado.
4) A quarta hipótese é o The Input Hypotesis
De forma simplificada, segundo a Abordagem Natural
de Terrel e Krashen, o aluno não aprende, mas apreende a língua
(assimila de forma natural). A ênfase da aprendizagem é colocada nas atividades
receptivas, ou “input”, ou seja, um prolongado período de exposição à língua
alvo. O método natural consiste basicamente em apresentar o idioma ao aluno de
maneira gradual sempre através de textos (leitura) e principalmente através de
‘listening’ antes dele conseguir produzir a língua que está estudando. Através
da exposição o aprendiz irá internalizar a gramática e o vocabulário do idioma
alvo e eventualmente vai conseguir produzir a língua que está estudando.
Outro fator importante da teoria deles, é que o
aluno deve entender o significado das expressões que ouve. Esta ‘aprendizagem’
só acontece quando as pessoas entendem as mensagens no idioma alvo (na língua
que quer aprender). Não é preciso entender as palavras, mas as ideias
transmitidas e as mensagens precisam fazer sentido. O importante é tentar
deduzir a gramática ou vocabulário. Como as palavras (vocabulário) são
estruturados em uma sequência lógica, a pessoa internaliza a gramática
naturalmente, sem atenção ou análise explicita pelo professor, aluno ou o
material utilizado.
Mas como a pessoa, de forma natural, obtém o
domínio da língua por estágios, ela precisa ser exposta a vocabulário e
estruturas da língua com um nível de desafio um pouco acima do nível em que se
encontra. Eles chamam isso de I+1 (Input + 1).
Obs.: Aprender e apreender tem a mesma etimologia e
vem do latim (apprehendere) que quer dizer pegar. Mas hoje em dia, aprender
significa: adquirir conhecimento já apreender significa: pegar, captar,
capturar.
5) A quinta e última hipótese é do Filtro Afetivo.
Trata-se do nível de ansiedade que o aprendiz
desenvolve durante o processo de aprendizagem e aquisição do idioma. Quanto
maior for o filtre afetivo, maior é a dificuldade em aprender. Quando ansioso e
nervoso, mesmo conhecendo o conteúdo, a pessoa não consegue se expressar de
maneira natural, levando à frustração. Não está ligado ao aprender ou não
aprender, mas a questão psicológica. Por outro lado, quanto menor for o filtro
afetivo, melhor será a comunicação no idioma alvo. Outro fator importante é que
a pessoa aprenderá melhor e mais rápido se se sentir relaxado, nunca sob
pressão ou tensão.
Agora que sabemos quais são as
hipóteses e os princípios por trás do Método Natural, vamos verificar como isso
funciona na prática, nas aulas de inglês ou outros idiomas.
Se a aquisição é um processo inconsciente e natural
e implica em constantemente exposição a mensagens significativas do
idioma alvo, como é feita tal exposição?
Há duas maneiras, leitura e atividades de ‘listening’
(compreensão oral). Pensando nisso, vídeos, filmes e séries, podcasts onde se
ouve ‘nativos’ conversando parece ser o ideal. O ideal em níveis básicos e intermediários
é a leitura junto com o áudio, para evitar a assimilação de pronúncia errada ou
inexistente. Baseado, nisso, pelo menos três
produtores de conteúdo que eu sigo por Podcast e Youtube (em italiano e
francês), sugerem que seus seguidores ouçam os seus vídeos e podcasts ‘várias’
vezes. Um deles chega a sugerir mais de vinte vezes.
Não se pode negar a importância do ‘input’,
ou seja, ser exposto a informação linguística (vocabulário ou estruturas da
língua). Quando estamos ouvindo um podcast ou assistindo um vídeo sobre algo
que queremos e precisamos entender, estamos também recebendo input linguístico,
mesmo sem perceber. Mas não há input no ouvir pelo ouvir, sem compreensão, o
que é enfatizado pela Abordagem Natural, pois a mensagem precisa ser
significativa.
Isto quer dizer, que temos que parar
para procurar cada palavra ou expressão nova ou desconhecida?
Não necessariamente. Por isso é
importante ouvir mais de uma vez. Na primeira vez, ouvimos para ter uma
compreensão geral do conteúdo. É possível prestar atenção a palavras chaves ‘key
words’ e o cérebro junta as partes. Nas segundas e terceiras vezes, podemos
ouvir com objetivos mais específicos. Dessa vez podemos tentar responder perguntas
como: Quem? Onde? Quando? Ou então anotar fatos e números. E por fim, é
possível ouvir e anotar algumas palavras ou expressões que valem a penas serem
pesquisadas e analisadas (mas não todas). É assim que fazermos nos cursos de
idiomas com os alunos. Mas ouvir dez ou vinte vezes? Acho um exagero! Só
ajuda o blogueiro a aumentar o número de visualizações.
Terell and Krashen falavam do I+1,
lembram? Então, ouvir material autêntico (notícias, documentários, reality
shows), também filmes e séries podem ser bem difíceis para alunos de níveis
básicos e pré-intermediários (A1/A2). Então seria melhor ouvirem conteúdo
adaptados para os níveis deles. Há muitos canais no Youtube e Podcasts
desenvolvidos especialmente para alunos desses níveis. À medida que forem
progredindo, podem começar a intercalar com material autêntico. Tenho muitas
outras sugestões, mas como o foco aqui é a Abordagem Comunicativa, e não
técnica de listening, vou deixar para falar mais sobre isso em outra
postagem.
Espera-se que o aluno fale na língua
alvo (inglês, francês, italiano, espanhol etc.) logo no início?
Não necessariamente. Segundo essa abordagem há o que eles chamam de ‘silent period’ ou período de silencio. É um período em que o aluno está internalizando as informações, vocabulário e estruturas da língua estrangeira e se preparando para o momento de falar. Portanto, deve se colocar pouca ênfase em prática, repetições, à produção correta de frases pelos alunos. Os alunos decidem quando falar, sobre o que falar, e que expressões linguísticas usar quando falam.
Mas será que realmente funciona? O que
os críticos dizem sobre isso? O que dizer do material?
Segundo Brown, p. 66, um dos aspectos
mais polêmicos da abordagem natural é o chamado ‘silent period’
ou período de silencio (atraso na produção oral) e a ênfase pesada no ‘input’.
Uma das falhas desse período de postergar até que o aluno se sinta à vontade para
falar, e se a fala nunca emergir? E o que dizer de um grupo de alunos com
diferentes backgrounds, idade, conhecimento? Há pessoas que precisam de mais
tempo para assimilar algo, outras são mais rápidas. Como é que o professor vai
gerenciar a aula de forma eficaz? Alguns alunos de cursos, precisam aprender para
ontem, porque atendem a telefonemas em inglês, ou participam de reuniões etc. E
quanto ao conceito de ‘compreensão’, como ter certeza de que o aluno compreendeu
o que ouviu ou leu?
Outra questão, é que teóricos mais
recentes já comprovaram que além do ‘input’ é também necessário o ‘intake’.
Em outras palavras, a pessoa poderia ser exposta a grande quantidade de ‘input’,
mas o que conta é a informação linguística que ele coleta aos poucos e em
pequenas quantidades, mesmo com dificuldade, da exposição através da atenção consciente
e inconsciente, implícita e explícita, através de estratégias cognitivas de
retenção, feedback e interação. Segundo Brown (p. 234) a conversão de ‘input’
em ‘intake’ é absolutamente crucial para que haja aprendizagem. Neste
caso, a ‘aprendizagem’ é tão importante quando a ‘aquisição’.
Quando mencionei
na postagem 7. (nome) falei sobre o Método Audiolingual a língua era
ensinada através de atenção sistemática a pronúncia e repetição exaustiva de
frases modelos básicas focada em estruturas gramaticais. Observaram que o
Método Natural foi de um extremo ao outro? Assim como o Método Audiolingual e Audiovisual
que associa imagem e sons, continua sendo ‘um’ recurso para a nova geração de
alunos utilizados em combinação com outras abordagens, a Abordagem Natural tem
o seu papel no ensino e aprendizagem de idiomas, mas não pode ser a única.
Professores experientes e bem preparados, conhecem vários métodos e abordagens
do ensino de línguas. Eles sabem peneirar, pesar e adaptar as aulas aos
contextos diferentes. Eles são responsáveis em escolher e experimentar com seus
alunos e rapidamente descobrir como combinar estes métodos para ajudar os
alunos a terem um ganho e sentir que estão fazendo progresso.
Eu defendo o mesmo em relação a Abordagem Natural. Por exemplo, podemos mesclar a ‘aprendizagem’ e a ‘aquisição’ da língua, estudar a língua de maneira sistemática te ajuda a aprender, reter informação e dar segurança na hora de usar (se comunicar). Isto tem a ver também com o perfil de aprendizado. Adultos, em geral tem um perfil mais sistemático do que os adolescente e jovens, mas o processo de aquisição não precisa ser deixado de lado. Isso pode ser feito por meio de vídeo aulas, séries, filmes, podcasts etc. Mas é importante fazer algum tipo de atividade de reflexão sobre o conteúdo que foi estudado. Pode-se escrever um pequeno resumo, anotações de novo vocabulário, comparar estruturas gramaticais, anotar pronúncia de palavras difíceis para você.
Não existe milagres ou fórmulas
mágicas. Se o aluno não estiver disposto a ter disciplina de estudo, fazer
exercícios propostos, não aprende a língua alvo, não pelo menos com o grau de excelência
esperada, aquele grau exigido pelos exames internacionais de proficiência como
TOEFL, IELTS, B1Firs etc.
Mas é preciso cautela. Deve haver um equilíbrio
entre monitoração, pois a busca da perfeição leva a falta de fluência. Nenhum
tipo de monitoração pode provocar falta de comunicação eficiente. A monitoração
deve ser moderada, não pode dominar o ato cominação, levando ao medo de falar,
a travar na hora de dizer algo para que a comunicação ocorra de modo assertiva
e o mais natural possível. As mensagens serão transmitidas de maneira clara e
objetiva. Como vimos anteriormente, os erros são vistos como uma maneira de
aprender, e desenvolver o seu processo de aprendizagem, portanto a interferência
do professor é esperada. Os erros ocorrerão, mas à medida que for feito estudos
formais e sistemáticos da língua, esses erros vão aos poucos sendo eliminados. É
preciso respeitar a ordem natural de aprendizagem.
Alguns alunos tentam memorizar uma estrutura gramatical ou listas de verbos no passado e não querem seguir adiante enquanto não conseguir utilizar os verbos corretamente. Mas o cérebro não funciona dessa maneira. Mesmo que tenhamos estudado algo de forma sistemática, é necessário algum tempo para que o cérebro assimile a informação e ela passe a ser usada de forma automática. Em alguns casos, será preciso ter aquisição de outro conteúdo para que o anterior faça sentido e o aprendiz finalmente domine aquela estrutura. Essa consciência faz que que a aquisição e aprendizagem ocorra de maneira mais efetiva.
Quanto a questão do filtro afetivo, já ouviu dizer que depois de um copo de cerveja ou uma taça de vinho, algumas pessoas falam bem melhor? Longe de incentivar o uso de bebidas alcoólicas, é apenas para exemplificar que, quando estão mais relaxadas, falam mais e melhor, sem medo de travar. Aos poucos, o aluno melhorará a autoestima e confiança e sentirá que se comunicará melhor. Se o aluno é ansioso e sente que isso o atrapalha a se comunicar, fale com seu professor e deixe ele saber como se sente. Também, fazer exercícios de respiração profunda antes da aula pode ajudar.
Todos os professores, incluindo eu, sugerem a exposição a idiomas alvos através de podcasts e canais de Youtube ou Instagram. Mas será que todos os produtores de conteúdo que garantem que aprenderam pelo Método Natural, fizeram apenas isso? Como mencionei anteriormente, a Abordagem Comunicativa, hoje empregada pelas escolas, quando bem utilizadas e com professores bem preparados pode ajudar o aluno a otimizar seu aprendizado. É importante equilibrar o conhecimento explícito (conscientização e instrução) e o conhecimento implícito (exposição e imersão).
Ao fazer suas escolhas sobre como aprender inglês ou qualquer outro idioma é importante entender isso.
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