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16. Aprendendo a vencer o medo

Vimos na postagem anterior que a crença no talento nato e principalmente medo de cometer erros são os grandes inimigos de vários estudantes de línguas estrangeiras. Infelizmente, o medo atrapalha pessoas muito inteligentes e talentosas de desenvolver a fluência quando estudam um segundo idioma. Alguns alcançam a proficiência e conseguem, através da leitura e ‘listening’, entender e interpretar textos complexos, também escrevem muito bem, mas não conseguem desenvolver a habilidade ou competência oral.


O que é medo?

O medo está associado ao instinto de sobrevivência. Na pré-história ajudou o homem convivia com animais ferozes gigantescos, aprendeu a temer e a fugir deles para preservar a vida. Depois aprenderam a temer qualquer coisa que fosse uma ameaça a sua existência, como doenças infecciosas. Assim, as pessoas aprenderam a ter medo no decorrer da evolução humana, e esta educação ainda continua. Por isso, a primeira parte de uma citação de Karl Augustus Menninger diz: “Fear are educated into us, …” (O medo advém da educação ...).

 

O medo serve para nossa proteção. Ele faz com que o ser humano pense nos riscos e consequências antes de fazer algo. Diante de uma situação de perigo, ou estímulo estressante, o cérebro é ativado involuntariamente, reage e aciona uma resposta imediata que nos prepara para agir. O cérebro libera substâncias químicas que causam o disparo do coração, a respiração ofegante, a contração do músculo, o suar frio, a dilatação das pupilas, resfriamento das mãos e dos pés, perda da voz. Essa reação é conhecida como reação de luta ou fuga. O medo pode ter início a partir de situações de gatilho que estimulam o estresse, como por exemplo, uma pergunta inesperada, antes de uma entrevista de emprego, um teste, um auditório lotado esperando por você e até pelo baque de uma porta causada pelo sopro do vento.  Visto desta forma, o medo é uma reação involuntária e natural e não é sinal de fraqueza ou covardia. 

Acontece que existem os medos reais, que sinalizam possibilidades reais de perigo como um assalto à mão armada, ou uma avalanche iminente, mas também os medos irracionais, como o de uma barata, que são a maioria dos medos que sentimos. Este medo condicionado faz com que algumas pessoas encarem os cães como monstros, enquanto a maioria os considera como parte da família. Talvez essas pessoas tenham sido mordidas quando crianças e, tempos depois, o cérebro ainda associa cachorros à ameaça. Uma citação de Rudyard Kipling sobre o medo diz: “Of all the liars in the world, sometimes the worst are our own fears.” (De todos os mentirosos no mundo, algumas vezes os piores são nossos medos.) 

Medos mais comuns

Durante a evolução humana, desenvolvemos o medo de perder, o medo do processo e medo do fracasso. Existem medos universais e medos específicos que variam entre os indivíduos. Segundo uma pesquisa feita em 2005, os medos mais comuns entre adolescentes são os ataques terroristas, aranhas e baratas, mortes, erros, guerra, peso, violência/crime, estar sozinho, futuro e guerra nuclear. Outros disseram ter medo de falar em público, de ir ao dentista, de sentir dor, de ter uma doença terminal e de cobras, e por fim o medo de escuro, medo de altura, medo de sangue, medo da morte, medo de dirigir, medo do fracasso, medo de lugares fechados, medo de falar em público, medo de tempestade e relâmpago. A grande maioria deles têm início na infância e são levados para a vida adulta. 

Quando o medo passa a ser um problema?

Algumas pessoas gostam de sentir medo. Os parques de diversões simulam situações de perigo e pagamos para usar os brinquedos, como a montanha russa. Experimentar o medo de vez em quando é saudável, divertido e faz parte da vida. Mas desenvolver e conviver com medo crônico pode ser prejudicial fisicamente e emocionalmente. Ele passa a ser um problema quando a pessoa, por causa do medo, evita participar de atividades diárias e a interação social. Em alguns casos o medo pode nos paralisar e impedir de executarmos determinadas atividades, cumprir nossas metas e objetivos.

 

Superando o medo

Existem dois caminhos para a reação do medo: a luta ou a fuga. No caso de uma pessoa que está estudando um idioma, como o inglês por exemplo, e sente medo de falar com outras pessoas, ela terá dois caminhos. Fugir, evitar falar ou então lutar, enfrentar o medo.

Mas para enfrentar o medo, o primeiro passo é conhecer a raiz dele, ou sua origem. Há casos agudos em que será preciso a ajuda de um profissional, mas no geral, isso não é necessário. Talvez o medo de falar vem do fato de ter tido pais ou professores exigentes que te corrigiam o tempo todo, ou te chamavam de ‘burros’ ou ‘idiotas’ cada vez que falava algo incorreto. As crianças que tiveram uma educação baseada no behaviorismo (ver artigo no. X) que punia os que cometiam erros e elogios aos que acertavam são mais propensos a esse tipo de medo. 

Entretanto, saber a raiz do medo não é suficiente para curá-lo nem fará com que a pessoa deixe de ter medo de falar em público ou outro idioma automaticamente. Segundo os psicólogos, o medo só desaparece quando você enfrenta o que te dá medo. Mas não precisa ser de uma vez só. Você avança um degrau por vez, se aproxima dele e de forma corajosa o enfrenta. É preciso capacidade para agir com coragem para enfrentar o que nos dá medo. Vamos ver algumas sugestões de como enfrentar o medo. 

Dicas de como superar os seus medos de forma geral:

1.  Conheça o seu medo. Muitos sabem do que tem medo, mas não sabem o porquê tem medo. Já vimos acima que este é o primeiro passo.

 

2.    Aceite que tem medo. Como vimos anteriormente, a fuga é uma reação ao medo. Se você tem medo de sentir medo, pode ser que fuja dele. Mas negá-lo não fará que ele deixe de existir. Então, aceite e reconheça o seu medo. O ideal é falar sobre ele com alguém com quem você tem familiaridade e se sente confortável para falar o que sente. Se for aluno e tem medo de falar inglês ou outro idioma, diga isso ao seu professor, ou a outro colega da turma. Se preferir, fale com outra pessoa de confiança. Ao falar sobre ele, terá clareza e será mais fácil aceitá-lo.

 

3.    Entenda o seu medo. Reflita sobre em que situações sente medo. Você sabe o motivo de se sentir assim? Veja o artigo no. 15 sobre Mindset fixo e o de crescimento. Talvez a raiz do seu medo está na preocupação de “o que os outros vão pensar se eu não falar corretamente ou perfeitamente?” pode ser a crença de que algumas pessoas já nascem com o dom, um dom que você não tem.


4.    Escreva sobre os seus medos. Sim, envie uma carta para você mesmo contando sobre o que provoca tanto medo. A escrita é uma ferramenta que ajuda a organizar seus pensamentos, emoções e ajuda a perceber coisas que ainda não percebeu. Não é necessário mostrar para outras pessoas, basta escrever como uma forma de desabafo e buscar alívio dos seus medos.

 

5.    Cultive pensamentos positivos. Parece mais fácil simplesmente dizer: “Eu nunca vou conseguir encarar o meu medo” ou “É difícil demais pra mim” e então desistir. Seria medo de fracassar? Estaria colocando muitas expectativas na primeira tentativa? Muitos perdem a oportunidade ótimas e nem mesmo tentam porque o medo do fracasso as impede criando pensamentos negativos em suas mentes. Não seria a falha uma oportunidade de acertar da próxima vez? Não faz ela parte do processo de crescimento e aprendizado? Seja realista, aprenda com seus erros, não se boicote adiando o processo. Isso se chama autossabotagem. Os pensamentos positivos criam o ambiente propício para a superação do medo, pois é preciso acreditar.

 

6.    Respire. Ao respirarmos fundo, temos maior controle sobre o ar que inspiramos e expiramos. Uma reação natural durante o medo é a respiração ofegante pois ela tem ligação direta com nosso estado emocional. À medida que você obtém controle sobre a respiração, você irá se acalmar e pensar com clareza. Sentirá que tem controle da situação. Muitos fazem meditação diariamente para treinar a respiração.

 

7.    Ressalte as suas vitórias. O medo é alimentado pelos fracassos e negativismo. Ao ressaltar suas vitórias, terá mais confiança em si mesmo. Uma maneira de fazê-lo é anotar situações bem sucedidas em um local em que possa ler toda vez que sentir medo. Por exemplo. Talvez tenha medo de atender ao telefone no trabalho quando um gringo liga. Pense em uma aula de inglês em que seu professor simulou uma conversa ao telefone. Anote algumas palavras chaves para dizer logo ao atender ao telefone como: “Name of departament, Luiz speaking. How can I help you?” e frases para dizer caso não entenda o que a pessoa está dizendo, como: “Can you speak slowly please! My English is not very good.” Ao conseguir fazer a primeira vez, sentirá mais confiança para as próximas vezes.

 

8.    Perca a vergonha. Todos nós estamos sujeitos a situações que podem causar constrangimento, mas se ao falar com alguém cometer um erro, ria de si mesmo e de seu engano, leve na brincadeira. As outras pessoas estão mais preocupadas com elas mesmas do que com você. Talvez nem percebam que você cometeu erros. O importante é a conexão, não a perfeição. Veja a dica número dois sobre falar com alguém sobre isso.

 

9.    Fazer terapia ou buscar a ajuda de um profissional é a última sugestão, pois ele é aconselhável somente depois que você já tentou várias estratégias sem sucesso. Por exemplo, algumas pessoas têm medo de dirigir. Hoje há auto escolas que trabalham juntos com psicólogos. Estes acompanham o aluno antes, durante e depois das aulas para ajudá-los a vencer o medo de dirigir. Algumas fobias ou medos são decorrentes de situações que ocorreram na infância, e um trauma pode ter desencadeado o medo. A terapia ajuda a pessoa a descobrir a causa do medo e utilizam técnicas terapêuticas para controlar o medo. Existem terapias comportamentais e terapias cognitivas. Eu pessoalmente não conheço nem recomendo terapias, apenas sugiro que as pessoas se informem sobre elas.

 

Se você percebe que tem medos específicos, pode então lidar com eles de forma específica. Vamos ver alguns exemplos. Alguns alunos não têm dificuldades em falar sua língua nativa ou uma segunda língua com um parceiro de aula ou com o professor, mas morre de medo em falar em público. Neste caso, lembre-se que a grande maioria das pessoas sentem o mesmo. Uma maneira de resolver isso é praticar. Algumas pessoas praticam em frente ao espelho, outas gravam vídeos e depois assistem e vão memorizando o que dizer ou verificando o que precisam melhorar. Comece fazendo apresentações para grupos de pessoas que você conhece e depois vai se sentir mais confiante para falar para uma grande audiência. Você já viu uma entrevista da Fernanda Montenegro em inglês em um talk show americano? Ela diz de cara que está nervosa e com isso ganhou a simpatia do apresentador e de sua audiência.

 

Será que o medo de falar outra língua vem da fobia social, o medo de estar com pessoas? A raiz pode ser timidez ou baixa autoestima, ou o medo de ser julgada, humilhada ou ridicularizada. Uma maneira de vencer este medo é trabalhar a autoestima e gradualmente interagir com as pessoas nas atividades do dia a dia. Se for um problema tão grave ao ponto de interferir na vida social, é melhor buscar ajuda de uma profissional.

 

Pense no medo como algo orgânico. Se você fingir que ele não existe, ele vai continuar lá e vai crescer. Se você tiver pensamentos negativos, eles vão servir de adubo para o medo crescer. Então, quando mais tempo levar para enfrentá-lo, mais trabalho terá para cortá-lo. Como o capim que nasce no jardim, é preciso sempre o arrancar assim que ele nasce ou desponta. É muito mais fácil e rápido. Então não procrastine. Os pensamentos positivos são veneno para o medo. Troque os pensamentos negativos por afirmações positivas. Escreva afirmações positivas em um caderninho e leia em voz alta para si mesmo todos os dias. Como já dissemos antes, se o seu medo já cresceu tanto ao ponto de tornar-se uma árvore, busca ajuda de um profissional e coloque a arvore abaixo. Depois pique os galhos e o tronco e joguem em uma fogueira. Elimine as raízes para que ele não brote novamente.

 

Há uma famosa citação de Karl Augustus Menninger que diz: “Fear are educated into us, and can, if we wish, be educated out.” (O medo advém da educação que recebemos, e podemos, se quisermos erradicá-lo pela educação.)

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